A cada dois anos, periodicidade observada com rigor desde 2012, a Agência Nacional de Saúde (ANS) divulga uma nova edição do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde – a mais recente foi publicada em 2 de janeiro de 2018. Trata-se de uma atualização da lista de procedimentos, exames e tratamentos de cobertura obrigatórios, que devem ser fornecidos pelos planos de saúde privados. Em tese, uma garantia para o consumidor, uma forma de tornar público e assegurar a obtenção de procedimentos e eventos considerados indispensáveis.
Como geralmente acontece nas relações de consumo fundadas em contratos de massa, entretanto e infelizmente, o obrigatório flerta com a exceção. Desde 1999, quando o Rol foi publicado pela primeira vez, as operadoras utilizam-no de forma deturpada. Passaram a explorá-lo de modo abusivo, enxergando o mínimo obrigatório estabelecido pelo documento por um viés econômico. O entendimento nocivo das empresas é: “Se não está na lista, devo recusar a cobertura”.
Distorção que ataca, frontalmente, alguns dos princípios e direitos fundamentais mais basilares da tão ferida Constituição da República Federativa do Brasil: o Direito à Vida, o Direito à Saúde, o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.
A reação veio. Com base no regramento consumerista, multiplicaram-se as demandas judiciais buscando obter procedimentos, exames e tratamentos que, apesar de não constarem no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS, apresentavam-se como essenciais para a vida, a saúde, a dignidade dos pacientes.
Disso resultou o entendimento nos tribunais pátrios, hoje consagrado, de que o tão propalado Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS não é taxativo, mas sim, exemplificativo. Ou seja: a relação chancelada pela Agência Nacional de Saúde não é, de forma alguma, excludente. A resposta do Judiciário foi: “Mesmo não estando na lista, sendo o evento, procedimento ou exame necessário para garantir a saúde do beneficiário, o plano de saúde deveria, sim, ofertá-lo ao consumidor”.
Foi a sobreposição do ideal de justiça ao abuso, reconhecida com a urgência que lhe cabe. Há, no cenário atual, uma tendência de atendimento aos pedidos de liminar postulados em face das operadoras (quando comprovado que a recusa representa uma afronta à saúde do beneficiário, evidentemente). Decisões geralmente confirmadas no julgamento de mérito e, em alguns casos – sem qualquer exagero -, com a cumulação de indenização por danos morais.
Não por acaso, as notícias informando uma nova edição do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS costumam conter a importante ressalva de que alguns daqueles procedimentos/eventos adicionados são objeto de ações judiciais que, via de regra, resultam na obrigação das operadoras a fornecê-los, arcando com os seus custos.